quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

A voz e avós

Onde estará aquela incontida alegria que minha voz continha?
Por que manifesta-se cansada essa voz
que outrora impulsionava incansáveis manifestos?
O que há com aquela criatura que não crê mais no que cria?
Por que será que dizemos "sentir muito" pela impossibilidade de sentir?

A voz cala o grito
Outrora a voz gritava o que calava
Há voz no silêncio que se faz ouvir

O que há com a voz que troca idílios sentidos por trocadilhos sem sentido?
Por que depois de tanta tentação só nos resta tentar outra ação?
O que faz a voz ganhar vida na dúvida e na dívida?
Por que será que depois de termos nos entregado a tudo,
a voz diz "por nada"?

A voz grita sufocada pelos calos vocais
Vogais calam os gritos consoantes
Revogamos e sentimos muito por nada mais sentirmos

Fomos a voz!
Agora, somos apenas avós
Aliás, a duras penas

terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

Retrato da Vida

Uma poesia sem rimas, um coração que não ama, um passado condenado, um presente exaustivo, um futuro programado. Uma música sem ritmo, uma nota desafinada, mil tons errados. Um disco que não toca, um rádio que não fala, uma vida sem harmonia. Um livro sem páginas, uma frase sem sentido, um caminho sem destino, uma corrida sem chegada. Um texto sem enredo, sem personagens, sem sentido, uma história sem fim. Um relógio que já não marca mais as horas, nem os minutos, nem os segundos, uma ação sem reação. Uma folhinha perdida no tempo, o mundo girando ao meu redor, o vento batendo em meu rosto, o futuro batendo em minha porta. Um dia mal vivido, uma noite mal dormida, um céu sem estrelas, um voo rasante, um pensamento desordenado, um sonho acordado: estou certo de que tudo está errado. Uma hora sem minutos, um minuto sem segundos, mais um dia que se passa, mais um companheiro que se vai. Um país desgovernado, um universo sem rumo, um planeta jogado no espaço. Uma televisão sem imagens, um dia sem fatos, uma vida sem direção, os olhos fechados para o mundo. Uma vida em rascunho, sem tempo de passar a limpo.

sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

Cidadeando

O texto a seguir foi escrito a 4 mãos com Reynaldo Bessa. No final, deixo um link onde é possível curtir uma versão musicada inédita. Escolhi publicá-lo hoje por acreditar que tem o clima do verão e de férias. Como este é o último final de semana de folga para muitos brasileiros, Cidadeando é uma boa trilha sonora para o momento...


Fui atrás da minha fé em Santa Catarina
Pequei
Fui lá em Porto Seguro, não me segurei
Agora meu Porto Alegre Ceará sempre assim, serei
Em cima dum monte, um Belo Horizonte fitei

Há lagoas fazendo Mato Grosso crescer
É preciso ser jipe pra poder atravessar
Rio de Janeiro a janeiro não posso Pará
Pra Paraná Paraíba, depois arribar
Arribei!

São Pedro, São Paulo, São Jorge são todos Bentos, sãos
Rio Grande demais transbordando no meu coração
Em nome do Pai, filho, Espirito Santo, amei Maranhão
Daqui e dali, onde piso, onde estou é meu chão

Há lagoas fazendo Mato Grosso crescer
É preciso ser jipe pra poder atravessar
Rio de Janeiro a janeiro não posso Pará
Pra Paraná Paraíba, depois arribar
Parei!

Cidadeando foi escrita em 1995 como música, a partir de influências do 1º CD de Chico César, Aos Vivos. Durante algum tempo, a composição fez parte dos shows de Reynaldo Bessa, como nesta interpretação gravada em show na Biblioteca Monteiro Lobato, em São Paulo.

quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

Escultura

A ex-piração virou tradição
A ex-tradição, cultura
Es-cultura em ex-posição
Agora, a ex-pressão é livre
E já não se ouvem os acordes da es-canção
O que ficou foi a ex-animação do ex-ator ao ver a peça censurada no ato

Es-quadro virou peça de museu
E a es-tela do cinema é coisa de outros templos

Ex-altar agora é terreiro
Ex-orar: agora suplicar
Ex-pecar: agora pagar pelos pecados
O es-tridente ainda foge da cruz
Es-guia também se perdeu
Deixando a es-cura sem remédio

O ex-tinto já foi pro vinagre
O es-malte virou cerveja... que serviu ao es-trago
Es-carpa caiu na rede
E a es-cama-dura agora é coxão mole
O es-touro se transformou em boi manso
Es-puma virou churrasquinho de gato
Es-quilo agora é self-service

O es-batimento do ex-pulso é de morte
E, ainda assim, o es-cara-velho conserva uma criança dentro de si
Com o tempo, o es-cabelo foi reimplantado
E a ex-ótica do es-bugalho, recuperada
O es-cravo fugiu com a rosa
Do es-pinho fez-se o nobre violão

Es-mero se complicou
Es-trato foi quebrado
Es-tribo faz da TV programa de índio
O es-perto já está distante
E o es-paço se perdeu por caminhos errantes
Pé no chão: ex-ame, agora deixe-o!

Só nos resta ver nascer novamente
O ex-poente sol
Em ideias ex-aladas que tão alto voaram e estão de volta à Terra na forma de sentimentos profundos

No fim de semana, a camisa e o short são o ex-terno
que fazem do ex-tenso um pacato cidadão
E da es-carola, uma dama da noite

Es-cada: de degrau em degrau, o todo pela parte
Es-tudo: já não é nada e, ainda assim, és tudo
Ex-terminado... começa tudo de novo com a ex-piração

Este texto foi escrito por mim, em parceria com a jornalista Cimara do Prado, em um período de férias como esse, há 20 anos. Fazia faculdade e trabalhar com as palavras era um desafio que me atraía bastante.

quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

Verão

A manhã sendo
Amanhecendo
Flor e cultura vou cultivar
Todos Verão
De dentro pra flora, uma bela canção brotar

De manhã, cedro
Se você Flor
Eu Sol quero ser
E então, todos Verão
Florescer, flor crescer, flora ser

Todos Verão...
Verão Flora ser
Árvore no alvorecer
Menina nos braços do dia
Todos Verão...
Verão Flora ser tão quente
Ser tão seca
Ser tão colorida

Mata Flora
Morro de amor
Flores, pinhos
E quando sementes caírem
Todos Verão
Flora florescer
Flora ser mãe natureza

Agora, Flora chora
Amar é lôbrego
Amar é lua
E Flora nos braços de uma estrela se enreda
Só para ver a noite ser
Anoitecer quente, pois é Verão.

Escrevi este texto em meados da década de 1990, inspirado na música De Dentro Pra Flora, do cantor e compositor Reynaldo Bessa.